sábado, 16 de fevereiro de 2013

A CALCINHA DA DISCÓRDIA

E um casamento tão duradouro (seis anos é muito para os dias atuais) tinha chegado ao fim. Beto, trinta e dois anos, pedreiro, após entrar no evangelho resolveu enterrar o passado. Abandonou todos os vícios: curou-se do álcool, juntou doze carteiras de Hollywood que tinha comprado para fumar durante a semana e tocou fogo, até quis ver o fogo queimando aquilo que era produto do diabo, mas o cheiro do cigarro já lhe causava enjôo. A maconha que fumava, segundo ele "socialmente", agora era o caminho para o inferno. O cara tava mudado, os amigos já não reconheciam na rua - Beto também mudara o jeito de vestir-se, deu para vizinhos as roupas antigas que lhe vestiam em farras e cabarés para comprar camisas de seda e calças de linho, bermudas jamais. Tudo que vivera estava enterrado, as farras com amigos, altas gargalhadas, os palavrões, os bregas até as madrugadas em cabarés, todas as amantes... Beto havia construído um muro pelo qual não queria ver o passado. A esposa, Marlene, fazia bicos como manicure, era mulher espoletada, o desprezo que o marido havia dado durante anos provocou em Lene o desejo de viver. Enquanto Beto se embriagava em copos e corpos, Lene se arrumava para ir às rodas de samba. Agora que José Roberto, vestido de paletó era um novo homem, regenerado, buscando a salvação, não admitia ver Lene sair para os sambas enquanto ele quase santo ia para igreja. Nos sambas, Lene era uma atração, morena, larga, tipo avião ou violão sambava com uma saia mini, mini, onde se via suas calcinhas tipo fio dental. Tudo isso era como uma facada no coração do homem. Antes da religião ele nunca havia ficado contrariado com as saídas da mulher. Sabia que apesar de tudo Lene nunca tinha lhe traído, sambava só para mostrar ao marido que estava viva, bem viva. Ele passou a insistir que a mulher não saísse mais, implorava para que ela abandonasse o samba, não teve jeito. Lene partia sozinha como era de costume todos os finais de semanas, fogosa, sambar. Mas, o que lhe causava mais remorso eram as calcinhas usadas pela mulher, então Beto sem conseguir convencer que a mulher abandonasse o samba propôs um trato – que ela fosse ao samba, porem sem aquelas calcinhas despertadoras de libido. Nada feito. Não teve jeito, a mulher era de opinião. Ele havia descoberto que amava aquela Geni, mas não poderia conviver com aquilo que considerava uma promiscuidade. Cheio da dor e pesar, mas fundamentado na fé pediu que a mulher sumisse da sua vida. Ele mesmo embalou todas as roupas da amada, se embebedando de dor. Não existia raiva no coração daquele cristão, antes de guardar a última calcinha o sentimento já tinha um nome: saudade. Num gesto de apego ele separou uma calcinha para ficar de recordação. Então todas as noites ele orava segurando a peça íntima rogando para Lene voltar.