domingo, 16 de março de 2014

O AQUECIMENTO GLOBAL É A PESTE

Vizinho a Propriedade Sítio Grande existe uma propriedade que apesar de ser um dos sítios mais produtivos daquelas bandas, não tem nome. Inúmeras são as fruteiras, pés de todos os tipos de laranjas, mangueiras frondosas, jaqueiras que fazem sombra a um estádio de futebol, coqueiros, abacateiros, goiabeiras, lá tem tantas frutas que nem sei o nome de todas na memória. Sem contar com a parte das hortaliças, belos tomates, cebolas, berinjelas, as abóboras são imensas. Nessa propriedade ainda são criados diversos animais, alguns bovinos, cabras, bodes, galinhas de capoeira, porcos, mas o que mais chama atenção é um cavalo preto, sempre que vejo aquele bicho galopando me vem à lembrança Beto Carreiro, minha lembrança se faz pela aparência entre os eqüinos e o meu desejo infantil em conhecer o tal Parque. Fico imaginando porque todo mundo que tem propriedade pensa logo em colocar um nome para identificá-la, mas nesse caso o que identifica a Propriedade sem nome é a diversidade da sua produção e o fato dela também não ter um nome. Vive sozinho nesse sítio um senhor conhecido por Seu Natalício, aposentado, mas que vive numa labuta eterna. A casa é humilde, dois quartos, uma cozinha que é quase toda ocupada por fogão de lenha e uma sala minúscula com um aparelho de televisão e outros poucos móveis. Costumo freqüentar a casa do Seu Natalício, que eu mesmo batizei como meu Padrinho pela atenção que me destina, justamente por conta do precioso eletrodoméstico, que é utensílio raro naquela redondeza. É na hora do jantar, quando está começando o Jornal Nacional que apareço. É hábito comum entre moradores da zona rural fecharem as portas cedo, isso se deve ao grande número de insetos, besouros e muriçocas. Pego a lanterna, ilumino o caminho e sigo entre matos, bacuraus e vaga lumes uma caminhada de cerca de dez minutos até chegar à casa de Padrinho. Bato na porto e me identifico com um Benção Padrinho, cheguei para assistir o jornal, ele abre a parte superior da porta, creio que para conferir se sou eu mesmo e logo abre a parte de baixo. Ao ver a porta escancarada entro e me deparo com aquele ancião com o rosto marcado por anos de trabalho braçal completamente despido. Estava nu, igualmente criança recém parida. De inicio fiquei sem reação, calei por segundos, deu vontade de sorrir, não sabia se olhava nos olhos dele ou se reparava a senilidade das suas funções. Num instante fiz de conta que não tinha nada de anormal, sentei na cadeira de balanço, ele no sofá e continuamos a conversa, apesar do meu constrangimento. O velho estava mesmo nu, de corpo e de alma. Continuamos a prosa por alguns minutos até ele pedir licença e sair em direção ao quarto. Pensei com meus botões, ele vai vestir uma roupa. Sem demora ele aparece com um ventilador na mão, ainda pelado e diz, isso é um calor da peste.

COMPRAS NO CENTRO

Atendendo ao pedido de Tia Carmem que tinha feito uma cirurgia recentemente, fui acompanhá-la a fazer compras para sua loja de artesanato no centro da cidade. Estava ao meu cargo dirigir e pegar as compras devido o peso. O lugar onde Tia Carmem faz as compras é no centro do Recife, num lugar conhecido popularmente como Vulco-vulco. O Vulco-vulco que é formado por ruas bem estreitas e becos recebeu esse nome pelo grande número de pessoas que circulam por lá, tornando o local uma bagunça, com milhares de vendedores, barracas e ambulantes, pura informalidade. No Vulco-vulco encontramos de tudo, roupas para crianças, adultos, obesos, tem calçados, acessórios, como óculos, relógios, cintos, material para criar artesanatos, caldo de cana, cachorro quente, pipocas, picolés e a novidade é o iakisoba, que também é vendido nas carroças e apesar da higiene precária é uma delícia, afirmo porque experimentei. O ambiente no centro é muito desordenado, misturam-se as barracas e carroças, clientes, pedintes, moradores de rua, crianças cheirando cola, prostitutas e traficantes. Digo sempre que os melhores locais para se fazer compras é a Feira da Sulanca, a Vinte e Cinco de Março e o Vulvo-Vulco, não necessariamente nessa ordem. Tia Carmem entra numa loja, enquanto fico observando aquele cenário, os atores, os ambulantes encenam para fazer uma venda, escuto os gritos “é três por uma”, diz o vendedor de pilhas, “mulher bonita não paga, mas também não leva”, brinca o vendedor de diademas e prendedor de cabelos, vejo que o vendedor de tapioca retira uma mosca que acabara de cair no coco já ralado. Três crianças brigam por uma garrafinha de cola. É dia, sol de rachar, vejo um senhor com o suor no rosto negociando com uma garota de programa. Mesmo com tanta desorganização e tudo sem controle aquele lugar me encanta pela diversidade de sons, de pessoas e de cheiros. Entre milhares de passantes uma mulher me chama atenção, era dia, o sol tava de rachar a moleira e aquela mulher sem idade explícita no rosto, toda vestida. Só pude ver os dedos dos seus pés, devido o tamanho da saia, que de tão longa limpava o chão. A blusa só não era capaz de cobrir as mãos. Os cabelos da mulher eram enormes, pelo que vi chegava a quase um metro de trança passeando pelas suas costas. Enquanto ela se aproximava, minha curiosidade aumentava sobre aquela anônima, imaginei que se tratava de uma evangélica, e logo confirmei quando ela passou com uma bolsa tira-colo e uma bíblia na mão direita. Uma mulher vestida daquela forma só poderia ser crente, evangélica. Acompanho a mulher e noto que ele sobe numa escada com destino a um sex shop. Tia Carmem me chama para ajudar a pegar as compras, peço que ela espere um pouco, pois to resolvendo algo. Achei a situação estranha e fiquei a espera da tal mulher que após meia hora sai da loja cheia de compras e diz... Meu Deus, entrei na loja errada.